Ação da Defensoria Pública garante assistência técnica urbanística para famílias de baixa renda em Chapecó

A 1ª Vara da Fazenda Pública de Chapecó aceitou pedido da Defensoria Pública e condenou o município de Chapecó a cumprir a Lei de Assistência Técnica Urbanística (Lei Federal nº 11.888/08), que assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social, como parte integrante do direito à moradia.
Na sentença, o juiz acolheu a argumentação da Defensoria e assinalou que a “lei é autoaplicável, tanto que se preocupa com questões interna corporis, como custeio das medidas de execução do apoio técnico – que conta com a colaboração da União -, a forma de seleção dos beneficiários e o modo de contratação dos serviços profissionais (arts. 3.º a 6.º). Por tudo que dispõe a lei de regência, revelam-se descabidos os argumentos do réu de invasão da discricionariedade do ente público municipal, ausência de dotação orçamentária (princípio da reserva do possível), insuficiência de profissionais técnicos e inexistência de regulamentação local da lei federal (…) Determinar ao Município a implementação da política urbanística não viola o princípio da separação dos poderes, porque as escolhas do Poder Público estão previstas na Lei 11.888/2008. A função do Judiciário, nesse caso, é absolutamente típica: prestação da tutela jurisdicional para que direitos fundamentais sejam efetivados.”
Ao final, o Judiciário determinou que o município de Chapecó forneça assistência técnica, pública e gratuita, para projeto e construção de habitação de interesse social para moradia própria às famílias com renda mensal de até 3 (três) salários mínimos, abrangendo todos os trabalhos de projeto, acompanhamento e execução da obra a cargo de profissionais das áreas de arquitetura, urbanismo e engenharia necessários para a edificação, reforma, ampliação ou regularização fundiária da habitação. A decisão deve ser efetivada em até três meses, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (um mil reais).
Para o atual Defensor Público-Geral, Renan Soares de Souza, responsável pelo ajuizamento da ação quando atuava em Chapecó, o julgamento é da mais alta relevância, pois se trata, possivelmente, da primeira decisão judicial coletiva que reconhece expressamente a autoaplicabilidade da Lei da ATHIS, um marco em relação ao direito à moradia digna e à habitação social.
Conforme Renan Soares de Souza consignou na ação civil pública, “60% da produção habitacional é realizada sem a orientação de um arquiteto urbanista ou engenheiro (…) há um grande número de pessoas sem propriedade imobiliária no Brasil e que residem em assentamentos, especialmente favelas. Há 6 milhões de famílias sem casa no Brasil. Há 101.854 pessoas em situação de rua. O cenário piora quando se constata que o número de casa vazias supera o déficit habitacional”.
O defensor ainda destacou o fato envolvendo a responsabilidade do município em implementar efetivamente a lei: “A justiça estadual havia remetido o processo à justiça federal. Ocorre que a política urbana deve ser protagonizada pelos municípios. Por isso, para manter a ação na justiça local, argumentamos que a lei da assistência técnica é autoaplicável e não estabelece que o direito somente será garantido se e quando a União repassar recursos aos municípios. Se essa fosse a intenção legislativa, a lei não teria nenhuma efetividade”.
Ao analisar a questão, a Justiça Federal de Chapecó anotou que “(…) assiste razão à Defensoria Pública autora, bem como à União e ao Ministério Público estadual, que referiram que a obrigação de promover as políticas públicas de habitação de famílias de baixa renda cabe ao município“.
Repercussão junto às entidades
De acordo com a presidenta do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina – CAU/SC, Daniela Pareja Garcia Sarmento, a Lei Federal nº 11.888/08 é fruto de uma luta de décadas. “Contudo, passados 12 anos desde sua aprovação, sua aplicação é marcada por poucas (e virtuosas) experiências isoladas país afora. Essa Ação Civil pública proposta pela Defensoria Pública de Santa Catarina em Chapecó é um marco jurídico importante para avançarmos na defesa ao direito à cidade. Em 2019, o CAU/SC firmou convênio com a Prefeitura de Chapecó a fim de cooperar para viabilizar a aplicação da Lei 11.888/2008, através de um curso de capacitação para implantação da ATHIS”, disse Daniela.
Para o Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento de Santa Catarina, essa decisão abre espaço para que outros gestores passem a olhar com mais atenção sobre o déficit qualitativo e quantitativo de unidades habitacionais existente em seus municípios. “A implementação de uma política habitacional forte deve ser uma das prioridades para os novos prefeitos”, afirmou o presidente do IAB-SC, Luiz Alberto Souza.
A arquiteta e urbanista Gabriela Borges da Silva, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unochapecó, trabalha com projetos de pesquisa na área que podem subsidiar o poder público municipal na elaboração de critérios e prioridades para o atendimento da assistência. “Como profissional e pesquisadora na área de habitação social, considero de extrema importância e imprescindível a implementação da ATHIS em nosso município, tendo em vista que assistência técnica é um direito essencial do cidadão, assim como saúde e educação. Entender que a melhoria habitacional ou a oferta de uma nova habitação está diretamente ligada à diminuição de problemas de saúde, muitas vezes causados pelas moradias insalubres, ao acesso da população de baixa renda a profissionais qualificados e ao desenvolvimento da cidade através de infraestrutura e saneamento básico. Esse é um papel fundamental do poder público municipal, pois são premissas indispensáveis e inerentes ao direito à cidade. Trata-se da qualidade de vida da população”, disse Gabriela.