Defensoria Pública e Universidade Federal promovem roda de conversa e oficina de educação em direitos na ocupação Vale das Palmeiras como primeira etapa de projeto conjunto entre as instituições

Flávia, 66 anos, e Soraya *, 35 anos, são vizinhas em uma das ocupações localizadas na Grande Florianópolis e têm medo, muito medo de não terem, de um dia para outro, um teto para abrigar suas famílias e seus poucos pertences. O relato emocionado delas foi repassado, na tarde de domingo (28), na Roda de Conversa promovida na comunidade Vale das Palmeiras pela Defensoria Pública de Santa Catarina, por meio do NUHAB – Núcleo de Habitação, Urbanismo e Direito Agrário, e pelo Instituto Memória e Direitos Humanos – IMDH da UFSC, através do grupo de trabalho do Observatório de Direitos Humanos, em conjunto com o SAJU – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária Popular, também da universidade federal.
Flávia estava dentro de sua casa quando, em maio deste ano, em uma ação de reintegração de posse, a residência foi amarrada com cabos de aço e puxada abaixo por uma retroescavadeira. “Perdi tudo, guarda-roupa, armários e pia da cozinha, a geladeira, só consegui salvar os meus documentos e a televisão”, contou chorando a idosa.
Soraya disse que seu filho foi intimidado por agentes da Guarda Municipal, que pediram seus documentos e seu CPF para ver se ele tinha alguma ocorrência policial. “Meu filho trabalha, nunca teve nada com a Polícia, e ficaram tratando ele como se fosse um bandido. Foi doído ver isso. Façam comigo, mas não com meus filhos. Hoje tenho medo de estar dentro de casa e não poder fazer nada para impedir de derrubarem ela, e tenho medo de ir trabalhar e a casa não estar mais aqui quando eu voltar”, questionou.
A Roda de Conversa reuniu moradores das ocupações Vale das Palmeiras e Beira-Rio, em São José; Vila Esperança, na Praia dos Ingleses; e Marielle Franco, no alto da Caeira do Saco dos Limões, em Florianópolis. A Coordenadora do NUHAB realizou uma oficina aos moradores sobre direitos fundamentais, direito à moradia e o que fazer em caso de ameaças ou intimidações por parte de agentes dos poderes públicos.
Defensora Ana Paula ganhou um presente das crianças do Vale das Palmeiras
“Os relatos que recebemos aqui foram bastante fortes. Esse empoderamento da comunidade é muito importante, para que a gente consiga não só dizer quais direitos que os moradores têm, o que eles podem fazer, mas também para podermos tomar as providências cabíveis para que essas ameaças não voltem a acontecer”, disse Ana Paula, destacando a importância da atuação conjunta entre as instituições, Defensoria e o IMDH, na promoção da educação em direitos em uma comunidade que já vem sofrendo há algum tempo com a violência do poder público.
A iniciativa é parte de um projeto que nasce da parceria Defensoria Pública e o Observatório de Direitos Humanos do IMDH para entender a atuação do Estado nos núcleos urbanos informais do Estado de Santa Catarina a fim de averiguar como os moradores compreendem a atuação dos órgãos de segurança pública e identificar possíveis situações de violência estatal e como estas são compreendidas.
Professora Luana Heinen, da UFSC
Coordenadora do projeto de extensão do Observatório de Direitos Humanos do IMDH com o SAJU, a professora do curso de Direito da UFSC, Luana Renostro Heinen, também ressaltou a aproximação com a Defensoria Pública. “Nosso projeto prevê essas oficinas em algumas comunidades para entender como as pessoas veem a atuação do Estado, principalmente a da Polícia. E a presença da Defensoria Pública é muito importante, porque a gente acho que só ouvir, às vezes, para a comunidade, ficam muitas dúvidas. Okay, a gente sabe que tem a violação dos direitos, mas o que pode acontecer agora? Então, a Defensoria estar junto com a gente, nesse momento em que as pessoas dizem o que aconteceu, tirando as dúvidas, o que podia ter acontecido, o que não podia ter acontecido e como agir nessas situações, é fundamental para o projeto e é, inclusive, um retorno que a gente consegue dar para a comunidade nessa atuação coletiva”, afirmou a professora.
Outros relatos
Ricardo, 40 anos, veio no começo deste ano de outro estado, junto com a esposa Valéria, 39 anos, para uma das ocupações onde já residiam familiares. “Fiquei desempregado, e resolvemos vir pra cá, com os dois filhos, atrás de oportunidade. Conseguimos emprego, mas ainda não é possível pagar um aluguel. Não somos melhores, nem piores que ninguém, mas todo trabalhador merece uma vida digna. Merecemos ser respeitados”, disse.
Marcelino, 37 anos, e a mulher Ludmila, 36 anos, queixam-se da insegurança quanto à sua condição, pois não conseguem realizar melhorias na casa onde vivem. “A gente não sabe se, de repente, vamos perder a casa, então não podemos investir nela, fazer melhorias, enquanto não se define esta situação. Pagar aluguel não é fácil. Antes, para a gente, era pagar aluguel ou comprar comida. Agora, pelo menos, conseguimos comprar o que comer”, afirmou Ludmila.
Maria Cristina, 26 anos, relatou o constrangimento que passou na frente de um de seus filhos. “Eu tenho três crianças, e elas têm medo da Polícia. O menor tem medo que eu saia na rua e seja presa. Saí para comprar remédios e, só porque eu moro na comunidade, eles mandaram eu tirar tudo da mochila e colocar no chão. Foram agressivos, me intimidaram na frente do meu filho. Que imagem estão criando na cabeça das crianças com essa violência?”, perguntou.
* Nomes alterados para não identificar as pessoas em seus relatos.